FIGO-BRAVO
Aqui rondamos a figueira-brava
Figueira-brava figueira-brava
Aqui rondamos a figueira-brava
Às cinco em ponto da madrugada
Eliot – Os Homens Ocos
Passado algum tempo, volto a olhar estes figos revoltos, suas estruturas em corpos compartilhados, espelhando, entre eles, nossos atuais estados conflitantes de ser.
Então, agora, eles me observam, me rodeiam, como a dizer-me que sou a principal suspeita.
Com a inevitável mudança das formas de vida…..em meio ao gosto do figo, familiar, histórico, coletivo, estendido, aberto às suas metamorfoses, mitos, catarses, memórias ……inscritos em uma narrativa que se reforça degustada em sua ambiguidade…… figo bíblico, na terra prometida, sobrevivente, louco, sensual, dançante, esteticamente colhido às cinco horas da madrugada, poeticamente aberto em seus gomos corporais…..em cores de corpos suados…….são figos abertos e suculentos em tensões carregadas numa relação em constante mudança, entre imagens e palavras guardadas por anos ………….aqui percorrem a orla de corpos resistentes em auroras de amarelos, ocres, carmins, branco impuro, rotas de azul ultramar…..
Aprendi também, que pode haver nostalgia no ar quando estaremos rondando a figueira-brava.
Para os que chegam procurando coisas perdidas, os que dançam e que têm suas histórias secretas………… quando batem na porta há um figo-bravo na tua saliva……..
Lenir de Miranda
Escólio (em janeiro de 2023)
As referências à Eliot e à Bíblia são mais do que citações de imensa erudição. São a essência mesma da complexa teia de relações que Lenir de Miranda estabelece na sua poética. Sua obra é plena de inquietações, insatisfeita, subversiva e mesmo temerária pois, ao romper com tudo e com todos, ameaça a sua própria integridade em prol do ideal.
Paulo Gomes