O malabarista resiliente
Eduardo Vieira da Cunha
Em uma conversa com Christina Balbão lá pelos anos de 1980, naquela velha sala de desenho do quarto andar do Instituto de Artes, a sábia mestra já estabelecia um paralelo entre nós, professores/artistas, e a figura de um malabarista/equilibrista: alguém que estava sempre tentando contribuir, com um olhar crítico, para o trabalho dos alunos, enquanto que jogava para cima sua própria prática artística, para depois voltar a retomá-la por mais um instante. Conheço Rodrigo Nuñes desde a década de 1980, primeiro como aluno, depois como colega e chefe de Departamento de Artes Visuais. Participei de sua dissertação de mestrado. Lá, a figura do equilibrista já aparecia em seus belos livros das ausências, onde ele lembrava seu ancestral, Álvar Nuñes Cabeça de Vaca.
Explorador, aventureiro, curandeiro por necessidade, que mais tarde se transformou no cronista que traduziu em narrativa um rico imaginário do tempo do descobrimento da América, a vida deste primeiro Nuñes ficou marcada pela palavra Resiliência: Talvez até tenha havido na história outras vidas acidentadas, fantásticas, trágicas e malucas como a deste espanhol. Mas o que marcou este primeiro Nuñes, o Cabeça de Vaca, foi viver isto tudo se constituindo, através das relações de contraste, de diferença, alternando insistentemente suas próprias qualidades e valores. Do menino que assistia curioso a partida dos navios do porto perto de Andaluzia, àquele adulto que cresceu de novo, aprendendo a ser outro homem com a convivência com os índios da América
Como um artista-docente como Rodrigo Nuñes trabalha com a alteridade, tanto quando lida com os alunos, quando constrói a identidade de seu próprio trabalho, se constituindo insistentemente, alternando suas próprias qualidades. Seja lidando com materiais da pintura, da cerâmica ou do desenho, ele tornou-se aquele artista que está destinado a sempre se transformar em um outro, nestas relações de contraste, distinção e diferença.
Malabarista/equilibrista, ou docente/artista, é alguém que, como Álvar, e depois, como Rodrigo Nuñes, vive se completando em suas próprias qualidades e diferenças, onde a primeira só tem sentido se estiver junto com a segunda, e vice-versa.
E se Garcia Marquéz diz que aqui nas Américas os artistas nunca precisaram inventar muito, ao contrário, o difícil era tornar verossímil a realidade, o desafio de Rodrigo Nuñes é transformar todas estes seus livros de pequenos segredos em algo de material , como em suas obras plásticas.