Clóvis Martins Costa apresenta sua mais nova produção na exposição “Reverberações Picturais”, que inaugura na Ocre Galeriano dia 05 de setembro próximo, terça-feira, das 18h às 21h, em Porto Alegre (confira detalhes no “Serviço”). A produção que o artista plástico apresenta é composta por, aproximadamente, 20 pinturas de dimensões variadas, nas quais vem explorando a construção do campo pictórico partindo de procedimentos com os quais já trabalha há bastante tempo e outros mais recentes. “São obras produzidas entre 2022 e 2023 que promovem um diálogo com  a linguagem da pintura”, comenta.

Desde meados de 1999/2000, Clóvis Martins Costa trabalha com a pintura em contato direto com a paisagem, utilizando, dentre outros recursos, a impregnação de tecidos diretamente sobre as margens de rios e lagoas. “Minha pintura vem se estruturando, ao longo do tempo, como uma ferramenta de enfrentamento e análise da paisagem”, define o artista. É recorrente em sua produção, o uso de elementos geométricos como planos e linhas para criar áreas de cor, delimitar campos com maior ou menor espessura, material de tinta, assim como a elaboração de faturas variadas. “Minha pesquisa, apesar de tencionar os limites da pintura, também se volta para suas especificidades, como acontece, agora, nesta exposição”, explica.

Dividindo seu tempo entre a docência – é professor na Universidade de Pelotas (Ufpel) e o atelier, que frequenta diariamente – Clóvis Martins Costa apresenta em “Reverberações Picturais”, um conjunto bastante diversificado, no qual busca explorar, ao menos, duas vertentes distintas em sua pesquisa. A primeira é a elaboração do campo pictórico por um viés construtivo, lançando mão de áreas geométricas de cor (planos e linhas de diferentes formatos, espessuras e faturas). “A geometria para mim é um movimento estruturante do campo pictórico, funciona como demarcação de zonas onde posso explorar faturas, delimitação de campos onde observo o comportamento da matéria pictórica”, analisa.

O artista utiliza vários recursos na construção dessas zonas de cor, como o estêncil, a fita crepe, ripas de madeira e superfícies que estão ao seu alcance no ateliê. “De certa forma, as pinturas comentam as condições do seu próprio desenvolvimento no espaço de trabalho, são documentos de um fazer que se desenvolve no tempo. Há um fazer e desfazer constante, o que configura um sentido premente de construtividade em meu trabalho”, ressalta. Segundo ele, um fazer aparecer/desaparecer próprio da linguagem da pintura.

A segunda vertente da obra de Martins Costa é o uso de pinturas da História da Arte como modelos, como um recurso para estruturar o campo pictórico. Ele seleciona imagens de pinturas que lhe chamam a atenção pelas soluções ou problemas que determinados pintores encontraram/ou propuseram em seus trabalhos. As referências são bem variadas: Jacob van Ruisdael, John Constable, Piero de La Francesca, Gustave Courbet, Tom Thompson, Wassily Kandisnky, Paul Klee, Sean Scully, Richard Diebenkorn, dentre outros. São imagens que servem como referente direto para a composição, onde a figuração geral permanece semelhante à obra de referência. Por outras, a imagem de referência é praticamente sobreposta por novas soluções pictóricas. Acontece, também, a sobreposição de mais de uma referência no mesmo trabalho. Para a autora do texto crítico da exposição, Zalinda Cartaxo “As pinturas apresentadas nesta exposição revelam as inquietações de Clóvis no que se refere ao status quo da pintura, em que confrontos improváveis configuram-se como verdadeiras equações a serem resolvidas pelo artista”.

“Busco criar um diálogo com a história da pintura, pensando a mesma como um arcabouço de imagens disponível para apropriação em meu processo criativo”, reflete. “Olho, portanto, com bastante atenção para esta paisagem, que é a paisagem da própria pintura ao longo da história. Penso que as duas etapas (o viés construtivo e a apropriação) se misturam, pois os recursos e soluções construtivas acabam se entrelaçando às imagens de base. São formas, cores e faturas de pedem passagem sobre este fluxo de imagens referenciais”, conclui.

“Reverberações Picturais” poderá ser visitada até o dia 30 de setembro próximo, de segunda a sexta-feira, das 10h às 18h, e aos sábados, das 10h às 13h30min. A entrada é franca. No dia 14 de setembro, quinta-feira, ocorre a Conversa com o Artista, às 18h, sob mediação da artista plástica Marilice Corona, professora do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).

Sobre o artista convidado

Clóvis Martins Costa (Porto Alegre, 1974) é artista plástico, Doutor em Poéticas Visuais pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Possui graduação em Pintura pelo Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1998). É mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2005), professor do Curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Pelotas e docente no magistério superior desde 2003. Em 2015, realizou o Programa de Doutorado-Sanduíche na Universidade de Lisboa – Portugal (Bolsista CAPES). Foi propositor e gestor da Plataforma Espaço de Criação entre 2011 e 2014, na cidade de Porto Alegre – RS. Atualmente vive na cidade de Pelotas / RS, onde mantém seu atelier na Praia do Laranjal. Participa regularmente de exposições individuais e coletivas no Brasil e no Exterior, desde 1998, integrando acervos públicos e coleções particulares. Desenvolve pesquisa ligada ao campo da pintura em sua dimensão específica, bem como através de suas distensões por meio da experiência  direta na paisagem.

Silvia Abreu Consultoria Integrada de Marketing
silviaabreu.comunica@gmail.com

REVERBERAÇÕES PICTURAIS

Zalinda Cartaxo

O que leva um pintor (sim, contrariando a tese antiespecificidade de Joseph Kosuth) a retomar estruturas picturais históricas referencialmente no seu trabalho? Não terá sido sempre uma questão na pintura? Retomar para desmembrar em novas estruturas acordadas ao tempo presente? Considerando que a pintura pensa (como defende Didi-Huberman) e que a mesma encontra-se alicerçada por uma rede temporal que, incessantemente, reverbera no tempo presente alimentando, assim, uma cadeia pensante, podemos vislumbrar o fato de que toda e qualquer pintura (e obras de arte no geral) não é, em si, conclusiva. Configura-se como um aberto e necessita de novas leituras e enfrentamentos. É, portanto, o que temos no excelente conjunto de pinturas que Clóvis Martins Costa apresenta nesta exposição.

Se considerarmos o termo reverberação no âmbito científico, como fenômeno ondulatório relacionado à reflexão do som, veremos estar associado ao intervalo de tempo necessário para a percepção do som refletido por um obstáculo qualquer. Metaforicamente, não seria o que ocorre no âmbito da pintura? A necessidade de um tempo para a sua apreensão? O que justificaria a constante retomada de modelos picturais históricos ainda inconclusos na sua estrutura pulsante e pensante.

As pinturas apresentadas nesta exposição revelam as inquietações de Clóvis no que se refere ao status quo da pintura, em que confrontos improváveis configuram-se como verdadeiras equações a serem resolvidas pelo artista. Se por um lado o pintor Jorge Guinle promoveu tais embates picturais no campo da imagem (ao conciliar, por exemplo, Matisse com De Kooning), de outro modo, Clóvis opera no campo da estrutura, radiograficamente (quando confronta, por exemplo, Paul Klee com Sean Scully).

O olhar estrutural de Clóvis revela-se pela geometria intrínseca que, ora é claramente visível, ao utilizar os repertórios da mesma (linhas, planos etc.), ora é absolutamente sutil (ao delimitar e organizar geometricamente campos de manchas pictóricas). Sua geometria, ora está vinculada à revisão de modelos históricos de pinturas, ora vem da própria realidade, como, por exemplo, na sua pintura Portuária, em que o artista reorganiza a realidade pictoricamente. A relação com a realidade operada pelo artista se faz evidente, também, na escala adotada (nesta última pintura, 300 cm x 150 cm) promovendo, assim, uma espécie de potencialização da realidade-pintura.

Numa de suas pinturas, Pontal da Barra, Clóvis resgata a pintura de Richard Diebenkorn, Berkeley # 32, de 1955, tomando-a como agente problematizador. Como pintar hoje uma pintura de outra década e de outro autor? A apropriação, aqui, é notório indício de reverberação pictural em que, para um pintor, é urgente tal enfrentamento e colaboração crítico-reflexiva na sua existência (a obra original). Finalmente, o resultado, ou seja a pintura Pontal da Barra de Clóvis, acaba por constituir-se potencialmente nova e autoral, única, em que a sua notória filiação é recurso para conciliar temporalidades indistintamente.

Importante destacar na sua pintura Brenha a necessária referência à Paul Cèzanne (Álamos, de 1882). A escolha desta pintura revela o quão necessário se faz para Clóvis o fator dificuldade. Esta pintura de Cèzanne é cromática e espacialmente densa. E é a partir desta dificuldade que Clóvis oferece uma resposta pictural extremamente diferenciada. O artista reorganiza a estrutura do espaço, das cores, das formas, em que podemos observar, assim, o atravessamento da obra dos dois artistas. Relevante, também, o fato de Clóvis utilizar a tinta acrílica nas suas pinturas, o que, mais uma vez, confirma a prevalência da sua vontade estrutural sobre àquela imagética original. A plasticidade e maleabilidade da tinta a óleo confere resultados absolutamente distintos da tinta acrílica, especialmente no que se refere à fatura. Ao adotar a pintura Vista de Haarlem com Campos Claros, de Jacop Von Ruisdael, de cerca de 1670-1675, como “equação” para a sua pintura em acrílica, é notório o quão geométrico é o seu pensamento-pintura. Clóvis apreende campos pictóricos cromáticos numa espécie de síntese pictural, em que apenas o essencial deverá permanecer. A pintura como pele, que reproduz fielmente a vaporosidade das nuvens, por exemplo, aqui, não é mais necessária. Trata-se de um enfretamento crítico-racional, contudo, fundamentalmente, estético. Quando também utiliza a pintura de Vasily Kadinsky, Landscape near Murnau With Locomotive, de 1909, complexifica ainda mais tal operação, uma vez que Kandinsky também operava sua pintura pela síntese. Esta pintura de Clóvis, Trecho de paisagem com branco sobre fundo geométrico vermelho, personifica algo presente nas demais: uma espécie de mise-en-abyme potencialmente infinito.

Finalmente, a exposição Reverberações Picturais, de Clóvis Martins Costa, comprova com excelência como pinturas podem ser inteligentes, atemporais e agregadoras.