Téti Waldraff e o jardim que a habita

[…] Eu escolho seguir as aprendizagens da infância passada em
Sinimbu, onde meu pai e minha mãe nos ensinaram a trabalhar e
a fazer, com paixão e seriedade, todas as coisas do cotidiano,
desenvolvendo relações afetivas com as situações que se
apresentavam. […] Meus trabalhos sempre serão exercícios para
ficar livre, concretizando os devaneios.

O texto é de fevereiro de 2014 e, nele, Téti Waldraff (Sinimbu, RS, 1959) revela um admirável
entendimento do que faz e de como faz: tocar o ordinário com integridade e afeto, dando forma
à fantasia. Parece simples, mas trata-se de uma operação que requer coragem e entrega – e
que, por exigi-las, consome a artista, mas também a liberta, por meio da obra.

A poética de Téti é caracterizada pelo diálogo com a natureza e, especialmente, com as plantas
e flores dos jardins que ela cultiva, naturais ou inventados. Se, numa acepção ampla, jardim é o
ambiente planejado, quase sempre ao ar livre, dedicado ao plantio e à apreciação de plantas,
como espaço simbólico, é o terreno para semear e desenvolver, florescer e frutificar.

Téti cresceu, literalmente, em meio a um jardim. Criança, ajudava a mãe a conservar os canteiros
junto à casa da família. Naquela atividade periódica, entre compromisso e prazer, começou a
forjar seu olhar e sensibilidade, aprendendo com as plantas. Desde então, tem nessa vivência o
seu Norte: “O jardim é o lugar onde eu planto e nasce, em cada espaço, um pouco de mim. Ao
mesmo tempo, é uma simbiose intensa, porque eu vejo, nas flores se abrindo, os meus desenhos
se fazendo”.

Desejar, desenhar, olhar, fazer. Qual é a ordem, mesmo?

Lúdicos, desembaraçados, obsessivos, cítricos e luminosos, os desenhos de Téti se expandem
e conectam, revelando um amplo e robusto rizoma. Em seu processo criativo, uma coisa leva à
outra, absorvendo-lhe semanas, meses, por vezes anos. A imersão é tanta, que a artista faz
questão de anotar, no verso dos trabalhos bidimensionais, as jornadas dedicadas a cada obra:
5, 6, 7, 8 dias… O envolvimento é tamanho, que seus pratos ou recortes e colagens a partir de
fotografias de ikebanas denunciam o fazer alucinado, bizarro, quase sem limites, mas fascinante.
A visceralidade é de tal ordem, que ela encontrou nas “tripadeiras” a forma e o nome para
expressar a intensidade do seu constructo.

O neologismo remonta às “trepadeiras”, plantas que necessitam se agarrar a outros vegetais ou
estruturas para alcançar a luz do sol. Contorcendo-se ao extremo, elas conquistam o que parecia
impossível: força e estabilidade. O neologismo também sugere “tripas”, designação popular para
o intestino dos animais, para o que está no âmago e é profundamente necessário. Nesse sentido,
inclusive, é curioso pensar no que dá ossatura às “tripadeiras”: fios elétricos, cuja natureza é
conduzir eletricidade e, por extensão, energia.

Matizadas por estampas vibrantes e flores sintéticas, as “tripadeiras” lançam desenho e cor para
o espaço, como uma extensão das formas e cores que irrompem das margens dos papéis pretos.
Ponte simbólica com as antigas lousas escolares e também com o projeto Jardim de giz, que Téti
desenvolveu em 2019, junto ao Centro Cultural da UFRGS, esses papéis guardam mistérios, que
a artista explora de modo singular. Se, na superfície, ela transborda a paleta cintilante das
canetas Posca, dando forma às folhas, flores e ramagens que parecem brotar de seu contato
com as tintas, na espessura, cavouca o improvável: o interior do suporte. E então encontra, no
íntimo denso e escuro, um inusitado rosa fúcsia, flama e viço.

Sim, estamos falando de energia, de renovação, de anima. Prolífica e generosa, Téti Waldraff nos
oferece os abundantes frutos do seu jardim: obras que escancaram o transbordamento de
emoções de uma artista e arte-educadora que resolveu fazer da vida um ato potente de arte.

Paula Ramos
Crítica e historiadora da arte, professora do Instituto de Artes da UFRGS

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Serviço

Exposição: no meu jardim tudo se mistura

Artista: Téti Waldraff

Curadoria: Paula Ramos

Visitação: 7 de abril a 3 de maio de 2025

  • Segunda a sexta: 10h às 18h
  • Sábado: 10h às 13h30

Conversa com a artista: 12 de abril de 2025, às 11h

Mediação: Paula Ramos

No dia 12 de abril, às 11h, a Ocre Galeria promove uma conversa com a artista Téti Waldraff, com mediação da curadora Paula Ramos, crítica e historiadora da arte, professora do Instituto de Artes da UFRGS. O evento é uma oportunidade para o público conhecer mais sobre o processo criativo da artista e os caminhos que levaram à construção da exposição.

Local: Ocre Galeria

Endereço: Av. Polônia, 495 – São Geraldo, Porto Alegre – RS, 90230-110

A entrada é franca e o espaço tem acessibilidade.