GONZAGA

Paula Ramos [crítica de arte, professora e pesquisadora do Instituto de Artes da UFRGS, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; texto de apresentação do artista para o livro 3×4 VIS(I)TA]

Luiz Gonzaga Mello Gomes, ou simplesmente Gonzaga, nasceu em 1940, na cidade de Júlio de Castilhos, noroeste do Rio Grande do SulPassa a maior parte de sua infância na fazenda Batú, propriedade de sua mãe, no município de Tupanceretã. Ali, frequentando zonas rurais e apreciando os fluxos do Rio Ijuizinho, aprendeu a amar a natureza. Era em meio à mata e às áreas ribeirinhas que coletava as pedras, as sementes e os gravetos a partir dos quais ele próprio confeccionava seus brinquedos. Esses mesmos elementos, anos mais tarde, protagonizariam a virada conceitual pela qual passaria sua vigorosa produção escultórica, reconhecida internacionalmente.

Formado em 1966 pelo Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Gonzaga frequentou o ateliê de Christina Balbão (1917–2007), vindo rapidamente a ingressar na vida acadêmica. Entre 1969 e 1985, foi professor de Cerâmica junto ao Centro de Artes e Letras da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), onde criou o Laboratório de Criatividade. Nesse período, entre 1978 e 1980, recebeu bolsa de estudos de especialização, frequentando a Escuela Superior de Bellas Artes San Fernando, em Madri, Espanha. Ao retornar, tornou-se professor do Instituto de Artes da UFRGS, ali trabalhando por onze anos, de 1985 a 1996.

Se, em suas obras iniciais, principalmente em desenho, pintura e tapeçaria, Gonzaga revela a ascendência ora do mundo fantástico de Marc Chagall (1887–1985), ora das composições de Pablo Picasso (1881–1973), ele recupera a si mesmo a partir da metade dos anos 1980, desenvolvendo, desde então, uma obra que é sua própria assinatura.

Observador da natureza e do corpo humano, passou a aproximar e a propor relações formais e simbólicas entre esses dois campos. Enquanto o interior de uma vagem lhe sugeria um torso, as cápsulas lenhosas de jacarandá lhe remetiam a vulvas femininas, e espinhos lhe suscitavam a genitália masculina. Adotando a resina poliéster, deu forma a esculturas em proporção humana nas quais, justamente, propunha corpos atravessados por formas vegetais, pela força da natureza. É nelas que identificamos texturas de sementes, alusões a folhas e frutos, o fluxo das águas, características explícitas na monumental série Xingu (1990), apresentada em 1991, na XXI Bienal Internacional de São Paulo. Para o crítico francês Pierre Restany (1930–2003), um dos criadores do chamado Nouveau Réalisme, “[…] é na poética cósmica da fecundação que a natureza detém o mistério da vida. É a partir dessa magia fundamental que o artista procura exprimir-se com suas esculturas, numa linguagem formal que não é nem descritiva, nem metafórica, mas emblemática e simbólica, sobre os elementos da natureza profunda”.[1]

Um aspecto notório da produção de Gonzaga é o uso da cor. Elemento tradicionalmente ligado a obras bidimensionais, sobretudo a pintura, a cor afeta nossas emoções de modo instantâneo. No caso de Gonzaga, os azuis, verdes, liláses e vermelhos, pinçados de flores e insetos, vicejam nas superfícies. Em seu apelo irresistível, atiçam não apenas os olhos, mas outros sentidos, operando de modo quase sinestésico. O diálogo não apenas com a pintura, mas com o desenho, manifesta-se também nos relevos parietais, a exemplo d´A sagração da primavera (1999), painel produzido para a estação de metrô Ana Rosa, em São Paulo, ou do conjunto As fases do dia (2002), instalado junto ao salão nobre da Reitoria da UFRGS.

Enaltecendo a natureza e sua exuberância, Gonzaga nos oferece uma obra que ultrapassa o visível.

[1] RESTANY, Pierre. Gonzaga e o naturalismo integral. In: Gonzaga. Porto Alegre: Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, 2002, p. 35.