Nada muda de forma como as nuvens, a não ser os rochedos.

Thais Ueda

Ao longo de meu percurso pessoal e artístico, ao buscar a iluminação, me defrontei com a escuridão. Se o mistério pode assumir diversas formas, a escuridão, para mim, é uma delas. Como uma força magnética que atrai ao mesmo tempo que repele, o mistério é fugidio, nunca se deixa apreender – essa é sua essência.

Tocar a escuridão é estar em contato com o que há de mais profundo em nós. Todavia, deve-se ter cautela. Assim como a luz, não se pode olhar diretamente para essa esfera oculta, é preciso permitir-se ser inundado, render-se, integrar-se com naturalidade e benevolência, compreendendo seus fluxos e relações. Um mistério é algo no qual você pode se transformar.

Os desenhos apresentados nesta exposição dão sequência à produção iniciada em 2019. Com o papel totalmente coberto por tinta preta, a sombra assume o protagonismo do desenho, abrindo o convite para que a luz se insinue. Anteriormente, picos e cadeias de montanhas se desvelavam por meio de linhas, aguadas e volumes, manifestando a natureza paradoxal da escuridão – enquanto receptáculo de luz e somatória de todas as cores – e evidenciando as divergentes faces da montanha, que permanece na sombra enquanto a outra face se ilumina. Agora, essa operação é retomada em variantes que se aproximam de paisagens rochosas desamparadas, sem sustentação, flutuantes.

Dos relevos compactos parto para os detalhes, experimentando novas relações e pondo à prova meu impetuoso otimismo em relação aos resultados. O processo de esmiuçamento muitas vezes me levou a reconsiderar e a retrabalhar o todo, mas também abriu caminho para gravitar em motivos mais abstratos e seguir pelas formas mais básicas, que se revelam espontaneamente, sutis e ambíguas, e destilam uma beleza intrínseca e imediata, intransponível.

Victor Hugo, em L’Archipel de la manche, declara: “Nada muda de forma como as nuvens, a não ser os rochedos”. A frase, que dá título a esta exposição, tece uma relação com os desenhos da minha série Tudo abaixo do céu, cujo motivo principal eram as nuvens. Desenraizadas, nuvem e rocha nada retém, possuem uma força de atração não objetiva do olhar, ambas são fenômenos que existem como um mistério. Erguer os olhos e observar o céu, enxergar rochedos nas formações nebulosas: se no olhar há uma relação de transposição, na imaginação a nuvem e a pedra dialogam e se complementam, revelando uma linguagem universal da forma.

Diametralmente, troncos e galhos secos se espreitam em uma verticalidade ascendente. São desenhos construídos em frações, realizados com pinceladas certeiras, influenciadas pela minha prática em caligrafia japonesa. Recentemente aprendi que a palavra influência, em japonês, é a junção dos ideogramas de eco e sombra. Interpreto a ideia de ser influenciada como o eco da sombra que repousa sobre o meu fazer, a reverberação de rastros de memória e temporalidades que resplandecem e se dissolvem, e que nos remetem ao espectro da árvore frondosa, na esperança de apenas estar recolhida em sua vitalidade e hibernando silenciosamente, perante as alternâncias dos ciclos naturais.

Ao utilizar tinta e pincel, os desenhos mostram muitas vezes borradas fronteiras com a pintura. No entanto, penso que o desenho é mais uma forma de pensar do que fazer, é o lugar onde o pensamento continua e emerge como resposta imaginativa às possibilidades de relações que se constroem e se reorganizam no espaço.

 outubro de 2022