FRANTZ
Paula Ramos [crítica de arte, professora e pesquisadora do Instituto de Artes da UFRGS, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; texto de apresentação do artista para o livro 3×4 VIS(I)TA]
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Há pelo menos 20 anos, o exercício ao qual Antônio Augusto Frantz Soares (Rio Pardo, RS, 1963) tem se dedicado é pensar pintura. Frantz, pintor que não pinta, faz da pintura, em sua forma e conceito, o leitmotiv de sua obra.
Tradicionalmente, pintura é superfície-cor, matéria-cor, camada-cor. Então, por que pintura não estaria em um fragmento de sinalização urbana, em uma tela macerada por pegadas/marcas/manchas, na massa de tinta acrílica restante no fundo da lata? Por que pintura não estaria nos próprios resquícios do processo de pintar? Frantz começou a se fazer perguntas como essas a partir de uma experiência definitiva em sua trajetória: era final dos anos 1990 e ele realizava residência artística em Kiel, norte da Alemanha. Para manter limpo o chão do ateliê no qual trabalhava, forrou-o com papel. E essa superfície foi acumulando resquícios das ações empreendidas naquele “campo de batalha”. No término dos três meses da atividade, ao esvaziar o espaço, percebeu mais potencialidades no forro maculado de modo aleatório do que no que vinha fazendo intencionalmente. Com os papéis não somente na mala, mas na cabeça, retornou ao Brasil e resolveu dar continuidade àquela investigação, forranto o ateliê no qual dava aulas. Ali, semanalmente, recebia alunos, cada qual em seu espaço e cadência. Estendendo metros de tela de algodão nas paredes e no chão, fez do tempo um aliado. O mesmo tempo necessário para observar, questionar e amadurecer percepções era o tempo exigido pelas telas para receber as impressões de tantos gestos, para sedimentar os resíduos, para consolidar as vivências. Algumas das primeiras coberturas permaneceram meses fixadas à estrutura da sala, mas houve as que ficaram anos. Em algum momento, Frantz decidiu que elas estavam prontas. E passou, então, a fazer as “suas pinturas”. Com segurança, arrancou-as das paredes, cortou-as e as organizou, dando início à meticulosa edição, apontando as partes que seriam esticadas sobre chassis e aquelas que, mais tarde, dariam corpo aos livros: suas pinturas; seus livros. Sua assinatura, aqui, é marcada pelo olhar, pela ação, pela reflexão, pela audácia.
Como aponta o crítico de arte Marcio Pizarro Noronha, “histórias de pinturas e pintores são aqui contadas com as linguagens e afetos, mas também com os corpos (e os gestos) e com as tecnologias (as técnicas, as mídias, os dispositivos). A ampliação desse enquadramento reposiciona Frantz no campo narrativo da arte. Uma narrativa por afinidades eletivas, uma narração em estado de afecções. Suas pinturas são causadoras de experiência e reflexão. São potentes. E são meditativas. O tempo lhes alcança”.[1]
Mais do que o registro ocasional dos processos e possíveis acidentes inerentes à prática artística, nesses fragmentos, nas extensões maceradas das telas, reside a própria memória da pintura. Microcosmo em expansão, o ateliê, em sua ordem aberta e instável, como depositário de sensações, vivências, encontros e embates, termina por ser o quadro mais bem acabado. O ateliê, na poética do artista, não é motivo da obra, mas sua essência.
[1] NORONHA, Marcio Pizarro. Frantz em seis tempos. In: RAMOS, Paula (Org.). Frantz – O ateliê como pintura. Porto Alegre: Edição do autor, 2011, p. 107.
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Alguns indícios,
percebidos durante a fruição
Paulo Gomes [artista plástico, pesquisador, curador e professor do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutor em Artes Visuais, ênfase em Poéticas Visuais.]
Da capo
Cada vez que nos defrontamos com um trabalho artístico plástico ou visual, nossa primeira necessidade é a de enquadrá-lo em um gênero qualquer. Os gêneros nos asseguram a certeza de que podemos ativar nossos conhecimentos sobre ele, previamente organizados e, só então, partirmos para uma leitura-fruição mais descansada. Assim fazemos com pinturas, fotografias, esculturas, instalações, gravuras, site specifcs, vídeos, desenhos etc. O mesmo vale para este gênero1 tão recorrente na contemporaneidade que é o chamado livro de artista.
Das origens e do começo
Ao ser interrogado sobre a origem dos seus livros (ou objetos ou pinturas, não podemos ainda defini-los), Frantz informa que eles surgiram entre os anos de 2003 e 2005. Não satisfeito com a resposta, pois para mim origem não é necessariamente igual a começo, ele me respondeu que, talvez, a origem estivesse na remota necessidade de, em meados de 1990, forrar o piso do ateliê que utilizava na Alemanha. Uma origem fundada em uma questão prática? Um ateliê coletivo e a necessidade de deixá-lo em condições para outrem. A pintura praticada por Frantz na época dava-se no que ele chamava de “campo de batalha”, um espaço de expressão gestual e emocional que, como tal, deixava manchas e respingos, vestígios e marcas por todo o local. Essas forrações para proteção, após o encerramento das atividades, pareceram interessantes ao artista, tanto pela potência, como pela beleza e, é claro, pela riqueza de possibilidades. A esses grandes suportes, recobertos de vestígios de trabalho, Frantz chamava de “sobras de pintura”.
Após essa, outra origem – e aqui estamos realmente próximos de um começo – estava na necessidade que Frantz sempre teve de ordenar o volumoso resultado de seu trabalho, de estudos e ensaios até trabalhos finalizados. Era necessário organizar tudo isso (ordem mental e física) e ordenar o material em livros encadernados. Isso abria a possibilidade de tê-los sempre disponíveis para consultas: cronológicas, temáticas e outros princípios de afinidades. Ordem e controle. Dos anos 1980 também são as gravuras editadas em álbuns, respeitando rigorosamente o modo de fruição original dessas imagens: espectadores confortavelmente sentados com as imagens ao alcance das mãos.
Das razões segundas
Se as razões primeiras eram da ordem da sistematização e da organização, as razões segundas são da ordem da pintura propriamente dita. Melhor dizendo, da ordem dos suportes da pintura. O artista não entende seus livros como livros de artista, mas como pinturas em outro formato. Uma definição canônica de livro de artista2 afirma que este é uma obra cuja realização é resultado da atividade de um ou mais artistas plásticos.
Isabelle Jameson nos sugere um aprimoramento dessa definição, ao afirmar que considera livros de artistas aqueles que “[…] são resultado do trabalho de uma única e mesma pessoa, no respeito à forma tradicional do livro e cuja mensagem passa tanto pelo conteúdo textual, quanto pela forma plástica do objeto. Nós consideramos então como livro de artista as obras cujos continente e conteúdo formam um todo coerente que exprime o pensamento plástico do artista”.3
Se formos observar rigorosamente as definições, as obras em questão são livros de artista. Mas essa definição pode ser aprimorada, ao estabelecermos o enquadramento desses livros numa tipologia do gênero: eles podem ser “livros pintados”, ou seja, os livros de pintores, obras únicas e exclusivas; “livros-objetos”, uma composição espacial utilizando o suporte do livro; ou, ainda, o subgênero chamado de “livro-quadro”. Noutro momento de seu esclarecedor texto, nossa mesma autora comenta a realidade dos livros-objetos. Escreve ela que “[…] a forma do livro é utilizada porque ela serve aos seus propósitos dos artistas, mas ela se encontra sublimada através de outra linguagem. Ao perder suas características físicas e formais, o livro perde sua especificidade de livro em proveito do estatuto de objeto de arte, no sentido tradicional do termo. Não o reconhecemos então como livro, mas unicamente como objeto de arte. Essa categoria de objetos não pertence então àquela dos livros de artistas, que devem respeitar a estrutura formal do livro”.4 Ora, se consideramos que um livro de artista perde sua identidade ao perder sua aparência de livro, este não é o caso dos trabalhos de Frantz: eles permanecem com o formato livro, morfológica e fisicamente. Mas, se as categorias “livro de artista” e “livro-objeto” não contemplam as intenções do artista, devemos investigar tal situação, buscando chegar a um consenso.
Pintura em outro formato
Ao negar o enquadramento na categoria geral que corresponde rigorosamente ao aspecto formal dos trabalhos – livros –, Frantz justifica-se afirmando que eles são pinturas em outro formato. A questão se desdobra então numa nova interrogação: são pinturas esses objetos? Certamente que sim, mormente porque assim quis o artista e, se formos nos fixar na aparência das coisas, temos telas e tinta, ou seja, pinturas. Uma pintura no seu formato tradicional, sobre uma superfície qualquer (tela, papel, madeira etc.), feita com tinta aplicada com instrumentos variados, tem uma característica física de “se dar a ver” na sua totalidade. Sua aparência total se impõe ao espectador sem ressalvas. Essa característica impositiva da tela (principalmente) não está contemplada nos suportes propostos pelo artista. Aqui não vemos o todo da pintura, mas somente partes. Se a construção dessas pinturas é baseada num princípio de ordenação de partes, temos que atentar para que tipo de ordenação está sendo proposta: são partes subordinadas ou coordenadas? O princípio fundador é o da escolha, o do ordenamento do material disponível. A regra impositiva é a do aproveitamento do todo fundador: o revestimento anteriormente citado, que é o verdadeiro campo de batalha a que o artista chama de “sobras de pintura”. Assim, podemos supor que existe um ordenamento por coordenação de partes subordinadas a uma ideia de todo que toma a forma de um livro, morfologicamente, mas não conceitualmente. Rigorosamente falando, temos uma composição casual editada (termos usado pelo artista) segundo critérios não declarados. Importante observar aqui que estas pinturas encadernadas têm ainda algumas características notáveis: (1) as encadernações são todas idênticas, não havendo, nas capas de lona branca, quaisquer indicações do que se trata; essa regra se altera quando o artista autentica a peça, apondo sua assinatura em uma das guardas internas e isso só ocorre quando o livro passa para as mãos de um colecionador; (2) não havendo qualquer indicação, naturalmente essas pinturas podem ser abordadas a partir de qualquer lado, isto é, seu formato livro, sem indicação de início, permite que o leitor/observador abra-o de qualquer maneira, à moda ocidental ou à moda oriental, de um lado ou de outro, não importa; (3) os tamanhos variam, do infinitamente pequeno, quase miniatura, até o imenso, como se fosse um atlas ou um dispendioso livro de reproduções. Mas falemos de pinturas…
Conversa necessária sobre a pintura
Se o acaso, a narrativa ou o registro dos acontecimentos do processo de pintar são por natureza não ordenáveis, a ação seguinte que sofre a “sobra de pintura” é o seu corte e seleção. Ao contrário de outros trabalhos que são resultado da sintética ação de prender essa “sobra de pintura” sobre um chassi e transformá-la numa tela plena e pronta para a fruição, ao retirar a tela de seu chassi (seu suporte tradicional) e reordená-la num suporte sequencial, o artista nos tira a possibilidade de ver o todo e de apreender sua ideia fundadora. A tela recortada e remontada (editada) impede que o olho apreenda o todo e que detalhe suas partes. O novo suporte obriga o olho à percepção da parte antes do todo, que virá, talvez, por um esforço de reordenação. Mas esse esforço, se aparentemente está fadado ao fracasso, é plenamente compensado pela satisfação de transformar cada parte daquele todo em um novo todo, desdobrado folha após folha (impossível não se referenciar no modo de lidar com os livros…), constituindo uma nova realidade que se configura em sucessivas experiências visuais.
No princípio está a pintura. Seu desenvolvimento para Frantz é da ordem do novo, na medida em que sua necessidade de experimentação não o deixa aceitar tacitamente uma simples colocação “em tela” dessa pintura. Se essa tela não mais o instiga ou intriga, princípio fundador de sua prática artística, ele vai em busca de um novo modo de deleite. Sua admiração por artistas como Gerhard Richter (1932) e Jackson Pollock (1912–1956) explica-se pela abordagem heterodoxa que esses artistas fazem da pintura: um campo de experimentações não limitadas por gêneros, formatos, técnicas ou mesmo por limites físicos. É o princípio da pintura sem norma, ou melhor, cuja única norma é a constante mudança de posição (física do artista em relação ao suporte, conceitual em relação à ideia de pintura e material no que diz respeito ao que deve ser incorporado à pintura). A regra de ouro é experimentar, como seus artistas referenciais. Não modelos, pois se de Pollock vêm as sujeiras do piso do ateliê, não devemos falar aqui de influência, mas de um diálogo privilegiado entre dois artistas, que resulta numa tomada de atitude assemelhada para chegar a soluções diferentes. Do mesmo modo devemos compreender sua relação com a obra dos referenciais brasileiros concretistas e informais, com os quais Frantz afirma sua afinidade. Afinidade fundada na livre expressão dos informais (a pintura livre de referenciais externos a si mesmos) e na necessidade de ordem e controle absoluto dos concretistas (entre essas, a questão da pintura-objeto), ou seja, uma equação paradoxal.
Paisagens. Paisagens?
Sim. Paisagens. Talvez… A indecisão não é minha, é da minha percepção, que se obstina em ver paisagens nas imagens que se sucedem diante dos olhos. É uma postura perceptual, antes de ser uma noção artística ou um enquadramento num gênero canônico. Etimologicamente, paisagem é o ordenamento de traços e de formas de um espaço limitado de lugar. Desdobrando, é uma porção do espaço terrestre representado na horizontal e na vertical por um observador, o que implica um ponto de vista. Assim, a paisagem é, por princípio, o que estabelecemos a partir de um ponto de vista, seja ele geográfico ou cultural. Desse ponto de vista, ela é então uma leitura, uma criação e uma interpretação do espaço no qual se articulam diversos planos nos quais podemos identificar objetos e seres. A paisagem, assim apreendida, importa em uma dimensão estética, seja pictórica ou literária, o que lhe dá o estatuto de uma representação.5 A questão da representação, fundada em princípios de mimese morfológica, é o que leva a ver nessas imagens possíveis paisagens. Uma paisagem se constrói, como dizem os estudiosos do assunto, através de sensações internas ou do “rumor das vísceras”.6 Todos os sentidos entram na construção da paisagem; ela se constrói tatilmente, além de outras sugestões possíveis, tais como odores e ainda sons… Mas é na visão que ela se realiza plenamente: uma possível linha de horizonte, um céu tormentoso ou plácido, rochas esparsas ou campos que se espraiam até o perder de vista… percepções fundadas numa cultura visual ordenada em códigos de representação, em configurações possíveis antes de formas definidas. Quis o artista ser paisagista ou propor paisagens? Que importa agora, no meio da fruição que me leva por lugares inventados, porém verossímeis?
Buscando outras possibilidades: novas experiências espaço-temporais
Se essas imagens, realizadas em suportes livros, não se enquadram no gênero “livro de artista” e, tampouco, no gênero derivado de “livro-objeto”, qual seria sua afinidade ou correspondência na longa tradição da arte ocidental? Questão, a priori, ociosa. Uma análise rigorosa prova que o artista faz obras com diversos elementos unidos por uma encadernação, porém visualmente separados. A pergunta: qual o suporte que comporta a união separada em partes? Ocorrem-me, na busca de um porto seguro para fundar o discurso, os retábulos. Sim, os retábulos, essas formas antigas que, através da partição de sua totalidade, reforçam e evidenciam a expressão do tema, por mais que ele seja, de antemão, claro. Frantz optou por transformar a sua obra, de vocação monumental, em uma proliferação de fragmentos. Quais razões plausíveis (sabedores que somos que os artistas não agem por capricho, mas por necessidade) o levaram a essa decisão: cansaço e esgotamento do quadro decorativo, narrativo, ilustrativo ou proselitista? As reduzidas possibilidades de avanço da pintura no quadro tradicional, esgotado por embates remotos como primazia da cor ou do desenho7, figuração versus abstração8, planaridade e perspectiva, ou o próprio estatuto do quadro, enquanto superfície e objeto (que não se esgotou com os veneráveis pintores cubistas).
A opção pelos polípticos, articulados por junções ou dobras e divididos em unidades, dá à pintura um novo modo de perceber a sua inscrição no espaço: as dobras, as fendas, a relação ambígua com a sucessão de imagens, tudo faz ressaltar valores que ficam minimizados pela pintura sobre a parede, uma superfície ou forma inscrita com a naturalidade das coisas cotidianas. A riqueza dos polípticos, plenamente explorada pelos antigos e mesmo pelos modernistas, perde na contemporaneidade sua recorrência e, com isso, perdemos também as sutis passagens das duas dimensões da pintura tradicional para a riqueza das três dimensões das partes articuladas e multiplicadas nos jogos de recto e verso, na superação da relação entre forma e fundo, ao jogar com os dois lados de uma mesma tela. A saída para a multiplicidade de planos, que o formato livro permite, dá à pintura de Frantz uma complexidade de resultados que abre para leituras múltiplas, articulando inclusive dados antes desconsiderados na sua pintura (e na pintura em geral), tais como a relação entre espaço e tempo. Se, com Lessing (1729–1781)9, as artes se dividiram em ar-
tes do tempo e artes do espaço, os modernos pós 1945, com os happenings, performances e ações, tornaram essa divisão obsoleta. Mas o mesmo não ocorreu na pintura.10 As pinturas apresentadas em livros (continuamos sem um nome definitivo para esses trabalhos), mais do que retomar em outro diapasão a questão da “pintura-objeto”, promovem no espectador uma sucessão de novas experiências. A primeira delas está em uma nova organização espacial tornada possível pela sequencialidade permitida na fruição. A sequencialidade é, no dizer de Paulo Silveira, “[…] o primeiro grande elemento ordinal do livro”, pois ele “[…] envolve o tempo de sua construção e o tempo do seu desfrute. Cada vez que viramos uma página, temos um lapso e o início de uma nova onda impressiva. Essa nova impressão (e intelecção) conta com a memória das impressões passadas e com a expectativa das impressões futuras”.11 A segunda experiência está na possibilidade de romper com a regra impositiva da interdição de tocar a pintura. A possibilidade de ver com as mãos, sentir a fisicalidade da pintura, tocar os volumes e as reentrâncias, experimentar as texturas, sentir a suavidade ou a rugosidade das superfícies, perceber com o tato os deslizamentos do relevo para o plano, a dobra e a superfície colorida, são possibilidades impensáveis em face de uma tela tradicional. Experimentamos um novo espaço na pintura, passível de novas comparações e associações, mas sem mudarmos de objeto. De alguma maneira fruímos do objeto pintura sem buscar nele uma satisfação ou uma resposta, seja sensível ou racional. Repetimos a relação mais visceral com o fazer que move o artista e, assim como ele, ficamos também menos preocupados com o resultado.
Coda
Se, no início, falávamos desses trabalhos inquietos com seu enquadramento neste ou naquele gênero, agora afirmamos que eles não são objetos decorativos e, tampouco, pintura funcional. Eles devolvem generosamente à pintura o seu caráter reflexivo e contemplativo. Também não são em nada menores ao olhar do que suas grandes pinturas. Agora, ao invés de olhar à distância as grandes telas, passamos por elas numa escala confortável, olhando-as e tocando-as, ao sabor de nossa disposição e vontade.
Essas notas de leitura sobre os livros de Frantz partiram da necessidade (fútil) de enquadrá-los em um gênero e desconsideraram que, mais do que ordenar o material de ateliê e de criar uma biblioteca, eles aspiravam ser um grande e ordenado conjunto de livros. Do mesmo modo que os técnicos organizam arranjos temporários ou permanentes nas paredes dos museus, inventando novos e inusitados polípticos (tendo a cronologia, os assuntos, os formatos, as cores etc., como fio condutor), Frantz também projeta um futuro para suas pinturas-livros unidas lado a lado, como um grande quadro. Podemos supor que é uma iniciativa que pretende simular a imponência e a potência de suas grandes pinturas? Precisamos ver o projeto realizado para poderemos confirmar. Sabemos com certeza, entretanto, que essas “pinturas-livros” são obras que fogem aos deciframentos textuais das imagens, pois são pura pintura, oferecendo-se aos sentidos em plena presença e sem discursos. A pintura é o reino do silêncio e da autonomia e, como os livros, ela também exige contato físico, ausência de pressa e tranquilidade para ser fruída em sua plenitude.