EFÚGIO
Paula Ramos
Efúgio: algo que ampara, que protege; refúgio; abrigo. Nas obras têxteis de Nara Guichon, frequentemente há alusão a acolhimento, carinho, ninho. Superfícies porosas e macias e formas curvas e côncavas parecem oferecer uma espécie de guarida. Em relação a quê? Ao próprio caos impetrado pelo homem. Caos ambiental, moral, ecológico, planetário.
Como vem sendo manifestado reiteradamente por ONGs, ambientalistas e lideranças comprometidas com a saúde da Terra, vivemos uma emergência climática sem precedentes, e grande parte dessa situação está vinculada não apenas aos altos níveis de gás metano e de monóxido de carbono presentes na atmosfera, mas ao consumo desenfreado, que produz milhares de toneladas diárias de materiais descartados como lixo; que despeja nos países pobres outras tantas toneladas de roupas, oriundas dos ciclos de consumo e modismo dos países ricos; que mata espécies animais e vegetais com veneno, com plástico, com redes de poliamida abandonadas nos mares. De modo crítico, mas também poético, Efúgio trata disso.
A região em que Nara Guichon mora, no sul de Florianópolis, é conhecida pela atividade pesqueira tradicional. Foi em 1998, observando não apenas o lixo que chegava à praia, trazido pelas correntes marítimas, mas centenas de redes de pesca de poliamida desgastadas pelo uso e abandonadas como entulho, que ela resolveu se apropriar desse material, dando-lhe novo destino. Desde então, Nara faz desse elemento, responsável por cerca de 50% da poluição mundial dos oceanos, sua matéria-prima. Durante muitos anos, ela produziu têxteis utilitários a partir das redes, recebendo diversos prêmios em âmbito nacional e internacional. Mas, desde 2018, abandonou a produção em design para se voltar unicamente às artes visuais.
Em seu processo criativo, a artista recolhe as redes de pesca e lava-as cuidadosamente, usando apenas água e sabão natural; após, tinge-as com pigmentos naturais, usando limalha de ferro, cúrcuma, casca de cebola, erva mate, vinagre, fogo, água e terra. Adotando a costura manual, o tricô e o enrolamento de fios e redes, ela cria estruturas vívidas, em diálogo com formas da natureza.
Foi essa produção que Nara exibiu em Porto Alegre, em 2022, quando fez sua primeira mostra individual, uma intervenção no Jardim Lutzenberger da Casa de Cultura Mario Quintana. Foi essa produção que ela levou às cidades de Laguna, Blumenau, Chapecó e Itajaí, contemplada por editais culturais do Estado de Santa Catarina. Foi essa produção que a creditou a receber o prestigiado Prêmio Pipa, no último mês de agosto, no Rio de Janeiro.
As obras em exibição na Ocre, produzidas nesse contexto, assinalam o amadurecimento poético de Nara Guichon. Elas congregam os materiais e sua reconhecida experiência artesanal, conquistados ao longo de quase seis décadas dedicadas ao têxtil, bem como expressam, por meio de um trabalho solitário, perseverante e contínuo, sua ode ao meio ambiente.
Efúgio, exposição de Nara Guichon
Curadoria: Paula Ramos
Visitação: de 21 de outubro a 16 de novembro de 2024
Segunda a segunda-feira, das 10h às 18h; Sábado, das 10h às 13h30
Ocre Galeria
Rua Demétrio Ribeiro, 535
Centro Histórico
Porto Alegre RS
+ 55 51 99598 2403