A ESPESSURA DO TEMPO
Clóvis Martins Costa (1974) viveu, durante muitos anos, às margens do lago Guaíba, na zona sul de Porto Alegre. Sobre a margem, em estreito contato com o ambiente natural, de fauna e flora exuberantes, quando optou pela carreira artística, desenvolveu um processo de trabalho que combina pintura, objetos e elementos naturais. Residindo atualmente às margens da Lagoa dos Patos, em Pelotas, desenvolve investigações que resultam em artefatos construídos vagarosamente. Utiliza elementos da paisagem na produção de obras pictóricas que passam por um lento processo de amadurecimento, numa abordagem poética de apreensão do tempo. Nesse conjunto de ações que envolve atenta observação da natureza e a autoanálise casual, também há a aventura da “deriva”. E o registro fotográfico da paisagem constitui-se numa espécie de inventário das coisas percebidas. As lonas, usadas como suporte para receber as tintas, são previamente enterradas, às margens de rios e lagoas. Em certos casos, esses suportes recebem impressões fotográficas da paisagem circundante, num quase ritual metalinguístico, em que as imagensse transformam em elementos das paisagens que as geraram, para ressuscitar como suportes de escritas pictóricas. Quando as lonas são desenterradas, retornam à superfície, impregnadas por materiais diversos, que trazem vestígios do passado em diferentes escalas: há o tempo geológico, há o tempo recente (caracterizado pelos elementos orgânicos em decomposição), há o tempo cristalizado nas imagens fotográficas, e, sobretudo, há o tempo subjetivo, formado pelas memórias do artista. No ambiente do ateliê, os suportes, “preparados”, recebem tratamentos pictóricos e cromáticos, de maneira a enfatizar certos elementos compositivos. Assim, as pinturas de Clóvis Martins Costa existem como dispositivos de condensação de experiências, resistindo à condição de artefatos estáticos e imutáveis, e desejando atingir temporalidades outras, muito distantes do presente fugaz.
Neiva Bohns, Porto Alegre, 07 de dezembro de 2021